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Quando nos perguntam porque fizemos isto ou aquilo, porque decidimos ou optámos de determinada maneira. Podemos responder de duas maneiras: Ou dizemos as verdadeiras razões ou, para preservá-las, podemos responder simplesmente: Cá por coisas...
"Levantou-se a lebre" do Serviço Militar Obrigatório voltar para os nossos jovens (penso que de ambos os sexos) não só colmatarem algumas lacunas deficitárias nas Forças Armadas, devido aos cortes orçamentais, mas também como acção civica importante e de cidadania, quiçá, na transmissão de valores fundamentais da pátria portuguesa.
Não sei se este assunto tem fundamento ou não, até porque o Sr. Ministro da Defesa nega que tem esta proposta em mãos. Mas, hoje em dia com a refundação, reforma, reestruturação do Estado (seja lá que palavra for) todos os assuntos surgem numa espécie de "brainstorming", que podem ou não ser implementados definitivamente ou à experiência. Tenho a sensação, por vezes, de sermos cobaias numa espécie de Big Brother em que os produtores do programa para conquistar audiências vão adicionando alguns temas provocativos, polémicos, controversos que causam reacções que os espectadores apreciam.
Neste caso não tenho a certeza se seria bom ou não. O SMO sempre teve vantagens e desvantagens, dependendo da vida profissional/estudantil de cada um e também do "gosto" individual e da sua capacidade de adaptação à vida militar. Se para uns é uma vida fantástica, uma experiência inesquecível, para outros pode ser um sacrifício, um atraso nos projectos da sua vida pessoal.
Eu confesso que gostei tanto, que acabei por lá ficar cerca de oito anos, mas não sei se os meus filhos irão gostar ou não, e se os quero ver a fazer algo que detestam. Veremos as cenas dos próximos capítulos.
Para encerrar esta história que já vai longa, vou terminar aqui com a IV parte dos posts sobre Aeronaves FAP /Base de Beja.
Como disse atrás, os Alemães saíram desta Unidade e deixaram para trás a sua frota de Alpha-jets , as suas instalações na Unidade e os prédios do "Bairro Alemão".
Como as aeronaves dos alemães eram muito mais que os T-38 , foi necessário "importar" mais mecânicos, electricistas /electrónicos de aeronaves, pessoal de armamento e equipamento e Pilotos. Em 1993 a Base de Beja sofreu um "boom" com o "fluxo migratório" de militares.
Muitos vieram da Base Aérea nº 6 no Montijo, para trabalhar no Alpha-jet, provenientes da Frota Fiat- G91, que agora vemos em alguns parques infantis . Foi uma frota mítica na FAP e que deixou a sua marca.
Juntaram-se a estes, o pessoal das Esquadras de Manutenção e de Voo das Aeronaves Epsilon, que se encontravam em Sintra (Base Aérea n.º 1) e que foram "colocadas" em Beja. E também todo o pessoal de Tancos (Base Aérea N.º 3) que encerrou as suas portas à FAP e foi transformada numa Unidade para as tropas Aerotransportadas. Com estes últimos vieram os famosos helicópteros Allouete III, outra aeronave com grande historial.
Resumindo, a Unidade de Beja tornou-se numa das mais importantes e mais movimentadas. Aeronaves, equipamentos, mobiliário, militares e
mais tarde, as suas familias, foram "deslocados" para a capital do Baixo Alentejo. Houve alguma agitação e contrariedade ao nível pessoal e profissional, pois implicava uma logística de grande envergadura a instalação das frotas até a sua operacionalidade fosse normalizada. Mas o esforço e dedicação empreendido fez com que os problemas fossem ultrapassados e que a pouco e pouco as coisas funcionassem como antes, apenas com a diferença de ser noutro local.
Por outro lado, a adaptação das pessoas levou um pouco mais tempo, principalmente aqueles que tinham família e filhos em idade escolar. Confesso que me passou um pouco ao lado, pois era solteiro e não tinha a noção dos problemas que uma mudança deste tipo traria a este nível. Agora sei que deve ter sido bastante dificil até organizarem a vida novamente. Muitos militares ficaram no "Bairro Alemão" outros na esperança de uma possível transferência ficaram algum tempo como solteiros geográficos, como nós na nossa gíria dizíamos na brincadeira, pois só iam a casa aos fins-de-semana.
Pessoalmente tive a sorte de estar colocado entre Dezembro de 1991 e Dezembro de 1995, nesta magnífica Unidade e, como tal, estive presente nestas mudanças. Depois fui colocado no Estado-Maior da Força Aérea, que parece mais uma empresa onde as pessoas andam "fardadas" e que, não tirando mérito ao trabalho que lá se faz, não tem a mística de uma Unidade operacional. Saí em 1999 da FAP. Valeu a pena.
PS- Quando os alemães souberam das aeronaves que iam operar em Beja serem tão diferentes: Epsilon » Hélice, Alpha-jet » Jacto, Alouette » Helicoptero, preveram/disseram (ao pessoal da torre) que cerca 6 meses teriamos um acidente grave. Já lá vão 15, 16 anos, não dei por nada. :-)
CONTINUANDO:
Como devem saber a Base Aérea de Beja era uma Unidade onde estavam colocados militares da Força Aérea Alemã (FAA). A Base foi construída com a finalidade de corresponder aos acordos bilaterais entre Portugal e (na altura) República Federal da Alemanha, no sentido de proporcionar facilidades de treino operacional à FAA. Querem saber porquê?
Na altura da nossa "Guerra de África", Portugal viu-se muitas vezes isolado na ONU, e algumas vezes em risco de expulsão, devido à tomada de posição em relação ás colónias. Nós alegávamos que não tínhamos colónias, mas sim províncias como se se tratasse de um Alentejo, Ribatejo ou qualquer outra. A ONU alegava o direito da autodeterminação dos povos. Obviamente Portugal, nestes tempos enfrentou muitos embargos económicos e as relações com a RFA conheceram um grande desenvolvimento ao nível económico/comercial. Por exemplo a espingarda automática G-3 que equipou as nossas Forças Armadas surgiu neste âmbito. Nas várias contrapartidas subsequentes, surgiu o acordo quanto à Base de Beja.
Criada em 1964 esta Unidade começou a ser utilizada pelos alemães a partir de 1970.
Quando fui colocado em Dezembro de 1991, ainda lá estavam os Alemães e a Unidade encontrava-se dividida FAA/FAP. Desde os hangares, serviços, clubes de oficiais/sargentos, alojamentos etc.. tudo estava devidamente separado, inclusive os horários eram diferentes. Os nossos amigos alemães devido ao intenso calor alentejano, iniciavam os trabalhos bem cedo e terminavam pouco depois do almoço.
Porém, houve sempre um salutar convívio entre as duas partes. Muitos alemães gostaram tanto de Portugal que ficaram por cá. Uns trouxeram as famílias , outros casaram com portuguesas. Era normalíssimo ver ao fim de semana os autocarros verde-militar que eles tinham, a partirem bem cedo carregados de pessoal, para as praias da costa alentejana (Melides, Santo André, Porto Covo, Vila Nova de Milfontes...)
Uma coisa que me ficou na memória, foi ver nas noites quentes de Verão, os alemães deitados em sacos cama ao relento debaixo das árvores. Outros chegavam mesmo a trazer as camas para fora dos edifícios, passando a noite debaixo do céu limpo e estrelado.
Lembro-me de três aeronaves que eles mais utilizavam nesta Unidade: F-104, Alpha-jet e um avião de transporte (penso que era um C-130).
Nota: O F-104 (o charuto voador) tem a particularidade de ser uma aeronave com umas asas muito curtas, o que o leva a não ter nenhuma sustentação. Se o motor tiver algum problema, a queda é inevitável. Existe um clube de viúvas do F-104.
Quando os alemães deixaram a Unidade em 1992/1993, não tenho a certeza do ano, deixaram todas as instalações na Base e na cidade (dado que tinham um bairro em Beja para os militares e familiares destacados em Portugal), assim como, 50 Alpha-jets, para a Força Aérea Portuguesa. Neste âmbito, mecânicos, electricistas, pessoal de armamento e equipamento, foram receber formação na Alemanha sobre esta aeronave. Mas há aqui algumas curiosidades a referir:
1 - Dizem que aquela frota Alpha-jet ia ser abatida na FAA. O seu desmantelamento iria ser muito dispendioso, pelo que seria mais fácil utiliza-la como moeda de troca como pagamento do uso da Unidade de Beja. (não sei se seria verdade).
2 - Dos 50 aviões, 10 eram para "canibalizações" isto é, eram armazens de peças para os outros. Também o limite de peças em stock não era o ideal e rapidamente seria gasto.
3 - Quando terminaram o curso na Alemanha as equipas de manutenção encontraram muito livros técnicos de manutenção desta aeronave em alemão. O que era uma barreira muito dificil e grave para definir os procedimentos específicos. Mais tarde foram traduzidas todas para Inglês.
4 - Os próprios livros das aeronaves onde estão registadas as suas inspecções e horas de voo eram em alemão, o que dificultava o conhecimento sobre o limite das horas de voo, inspecções a efectuar, se tinham ou não condições para voar.
Mas o dia da Unidade estava a chegar e os aviões tinham de voar como prova de uma operacionalidade e prontidão capaz de satisfazer os objectivos previstos. Graças ao desenrascanço, empenho e teimosia, conseguiu-se fazer os voos rasantes da praxe sobre as tropas em desfile com cerca de 6 a 9 aviões. Quiseram que eles voassem, eles voaram.
(TO BE CONTINUED)